11 julho 2009

Hermenêutica para quê?

Muitos cristãos não sabem o que a palavra "Hermenêutica" significa, até ai ainda não é de se preocupar, mas quando os líderes destes cristãos (pastores, presbíteros, conferencistas, etc...)não sabem o que é Hermenêutica ou agem como se não soubessem, aí a coisa fica feia. Começam os legalismos, o fundamentalismo fanático e prejudicial, e - o mais grave - a verdade das Sagradas Escrituras é deturpada e interpretada por interesse ou ignorância própria.

Hermenêutica, segundo definição geral dos dicionários, é "a arte de interpretar textos". Seu estudo é parte da Teologia Exegética, que trata da explanação e interpretação correta da Bíblia. É uma ferramenta de fundamental importância, ajuda a evitar que homens descuidados ou até inescrupulosos possam distorcer o sentido das Sagradas Escrituras conforme seu próprio saber ou interesse. Quantas heresias e absurdos não ouvimos nos dias de hoje em que os autores afirmam insistentemente que receberam tais babozeiras do Espírito Santo de Deus? Mas a fragilidade destas afirmações pode ser contestada simplesmente porque sabemos que o Espírito Santo não revelaria nada que fosse contra ou distorcesse a Palavra de Deus. A ação do Espírito Santo é fundamental para qualquer intérprete da Bíblia, mas o estudo bíblico demanda trabalho também. Há um abismo cultural, ideológico e cronológico de centenas de anos entre o período em que o texto foi escrito até os dias de hoje. Lutero costumava falar que interpretar a Bíblia exigia "Orare et laborare". É algo a se fazer com muita oração, mas também com esforço para acessar o sentido original, utilizando todos os meios disponíveis e estudando com afinco. Porque é importante este estudo? Pois a influência do Espírito Santo na interpretação bíblica é como uma lanterna num lugar escuro, pode iluminar para que encontremos os tesouros escondidos pela escuridão, mas a luz da lanterna não é capaz de criar algo que não se encontrava no local inicialmente. Infelizmente muitos que se dizem guiados pelo Espírito Santo, acreditam que Ele seja como uma "lanterna mágica": apontam para determinado versículo ou texto, tiram as conclusões mais bizarras e saem inventando doutrinas e jugos pesados julgando-se inspirados por Deus. Não é assim que as coisas são! Para abrir os olhos de todos sobre esses abusos espirituais que este texto foi redigido. Se você deseja aprofundar-se na Hermenêutica, leia livros especializados sobre o assunto, tente aprender as línguas originais da Bíblia, os fatos históricos e culturais e faça um bom curso de teologia numa instituição séria. Este artigo é somente para aguçar seus sentidos e sua percepção. Vamos às regras hermenêuticas:

A REGRA DAS REGRAS:

(todas as demais regras são desdobramentos desta)
"A Bíblia é explicada pela própria Bíblia". A Escritura é perfeita, o erro está sempre no homem. Ela é inspirada por Deus, útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e a para instrução na justiça de Deus. (2 Timóteo 3:16,17). "A Bíblia é que torna o homem sábio para a salvação em Cristo" (E. Lund). A Bíblia deve ser tratada como um todo. Não deve ser mutilada nem acrescida de nada. Não se faz doutrina com um único versículo. Deve-se sempre levar em conta os contextos: do texto, do livro, do autor, da época; e também considerar tudo o que a Bíblia - em sua totalidade - tem a dizer sobre o assunto. Menos do que isso fatalmente acarretará numa má interpretação que pode até concluir algo contrário ao que realmente a Bíblia ensina. Desconfie também de intérpretes que se valem de outras fontes para interpretação bíblica como se estas tivessem a mesma autoridade divina (por exemplo, os mórmons com seu "Livro dos Mórmons"; os espíritas, com a obra completa de Alan Kardec; os adventistas, com os escritos de Helen White e seguidores; e muitos grupos adeptos das teologias deturpadas do "Funcionou comigo, você deve experimentar", que têm suas literaturas reveladas tratadas como se fossem um "algo mais" acrescido à Bíblia). É sempre bom lembrar que a inspiração CANÔNICA (do tipo que Deus utilizou para produzir a Bíblia) acabou, não existe mais. Paulo admoestou as gálatas: "Mesmo que (...) um anjo vindo do céu pregue um evangelho diferente daquele que pregamos, seja considerado amaldiçoado" (Gálatas 1:8 -Tradução direta do Grego).

REGRAS GERAIS:

1- "É preciso, na medida do possível, tomar as palavras no seu sentido usual e comum." Em outras palavras, buscar a intenção do autor quando escreveu aos primeiros leitores. Os autores bíblicos em geral se dirigem ao povo, não a uma classe privilegiada. Não há linguagem científica ou técnica, mas figurada e popular, com ocorrência de particularidades do idioma (Hebraísmos), citação de fatos corriqueiros do cotidiano da época (como, por exemplo, nas parábolas) e peculiaridades culturais. Um exemplo de uma leitura errônea foi certo teólogo medieval que, ao interpretar o Salmo 8 como uma alegoria, deduziu que os bois e ovelhas eram os crentes e as aves e os peixes eram os incrédulos e concluiu que todos os homens estavam subordinados à vontade de Cristo. Uma leitura literal do texto teria privado de cometer tal gafe teológica. Mas nem sempre a interpretação "ao pé da letra" é uma boa opção. Em Gênesis 6:12b lemos "porque toda carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra". "Carne" e "caminho" não devem ser entendidos em seu sentido literal aqui, mas num sentido comum de "humanidade" e "comportamento". A Nova Versão Internacional da Bíblia conseguiu ser melhor sucedida na tradução e merece uma menção honrosa: "pois toda a humanidade havia corrompido a sua conduta".

2- "É necessário tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase." Esta regra é fundamental para determinar quando a interpretação de alguma palavra deve ser literal e quando deve ser figurada. Muitas palavras têm sentidos variados. Nosso idioma é pobre em comparação ao hebraico ou ao grego. As línguas originais possuem uma variedade de expressões e palavras distintas que, na falta de uma palavra correspondente no português, foram traduzidas por uma só palavra englobando todo o campo semântico (Nota para leigos: Campo semântico: grupo com mais ou menos o mesmo significado). "Amor" em grego pode ser uma de quatro palavras diferentes. Para quem não manipula ainda esse idioma - ou o hebraico - a diferenciação de sentidos pode só ficar clara na compreensão da palavra dentro do contexto da frase. Por exemplo, a palavra "Fé" geralmente significa "confiança", mas há exceções. Em Gálatas 1:23 deve ser entendida como "doutrina ou crença religiosa", em Romanos 14:23, ganha o sentido de "convicção íntima". "Salvação" e "salvar", empregadas mais frequentemente significando "libertar do pecado e suas consequências", em Atos 7:25 significa simplesmente uma libertação temporal e em Romanos 13:11 adquire o sentido da "Segunda Volta de Cristo".

3- "É necessário tomar as palavras no sentido indicado no contexto, a saber, os versículos que precedem e seguem ao texto que se estuda." Deve-se ler o texto inteiro para se ter uma idéia completa de um versículo e não perder seu sentido verdadeiro. No original não existe a divisão de capítulos e versículos, esta foi uma iniciativa posterior para facilitar o estudo. Versículos não são unidades mínimas da Palavra com máxima autoridade e não podem ser entendidos isolados de seu texto de origem. Precisam ser estudados à luz do contexto em que aparecem, principalmente se houver dúvida quanto a significado de expressões, palavras ou se há a pretensão de que sirvam de base para determinada doutrina.

4- "É preciso tomar em consideração o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras". Esta regra é mais uma ampliação das anteriores em caso de não oferecer suficiente luz, nem o conjunto da frase, nem o contexto, para remover a dificuldade e dissipar toda dúvida. O objetivo ou desígnio de um livro só é adquirido após repetidas leituras e estudos. No caso da Bíblia, é importante lê-la por inteiro e estudar seus livros e demais fragmentos como parte de um todo. Procure estudar e entender cada divisão, como se formou, o que têm em comum os livros que fazem parte dela, quando, para quê e para quem foram escritos: O Pentateuco (os 5 primeiros livros da Bíblia), os históricos e proféticos, os livros de sabedoria e poesia, os evangelhos, as cartas paulinas, as cartas gerais, o apocalipse. Essa estratégia trará luz a muitas interpretações.

5- "É necessário consultar as passagens paralelas que fazem referência uma à outra, que tenham entre si alguma relação, ou que tratem de um modo ou outro de um mesmo assunto.". Há paralelos cronológicos, paralelos de palavras, paralelos de idéias e paralelos de ensinos gerais. Como passagens paralelas que fazem menção uma à outra (e também cronologicamente pareadas)podemos citar, como exemplo, os evangelhos e os livros de Crônicas e Reis. Paralelos de palavras podem ser encontrados nos mais diversos textos, embora a mesma palavra pode ter sentidos diferentes em épocas distintas. "Arrepender-se" é uma dessas palavras que mudam de acordo com a época. No Novo Testamento tem o sentido de "mudança de mente ou de comportamento", no Velho Testamento tem sentidos tão diversos que apenas o contexto de cada uma pode explicar. Outro paralelo de palavras existe em textos que citam nomes próprios que convêm conhecer o personagem e sua história antes de tirar qualquer conclusão. Por paralelos de idéias, deve se considerar ensinos, narrativas e fatos para aclarar as passagens obscuras.. Onde há expressões figurativas, deve-se procurar comparar com passagens similares próprias de textos paralelos e sem figura. Onde as idéias estiverem sumariamente expressas, deve-se buscar paralelos mais extensos e explícitos. Finalmente, para entendimento e correta interpretação de determinadas passagens não são suficientes os paralelos de palavras e idéias; é preciso recorrer ao teor geral, ou seja, aos ensinos gerais das Escrituras. Temos indicações deste tipo de paralelos na própria Bíblia, sob as expressões de ensinar conforme as Escrituras, de ser anunciada tal ou qual coisa por boca de todos os profetas, e de usarem os profetas (ou pregadores) seu dom conforme a medida da fé, isto é, segundo a analogia ou regra da doutrina revelada. (1 Cor. 15:3, 14; Atos 3:18; Rom. 12:6.)

Estas são as regras básicas da Hermenêutica. Para um estudo mais aprofundado, eu recomendo dois livros:

Hermenêutica - E.Lund
Editora Vida

e

Entendes o que lês? - Gordon D. Fee & Douglas Stuart
Editora Vida Nova


Existem outros no mercado. Estes dois eu li e recomendo, principalmente o primeiro, que é mais reduzido e tem exemplos claros, o que facilita a vida de leigos. O que não se pode é deixar que certos pregadores que existem por aí tentem nos enfiar goela abaixo seus próprios erros e idéias como se fossem Palavra de Deus.

Um comentário:

Matheus disse...

Luciano é cultura!

Não li até o final o texto, mas pretendo ler em breve!

abraço!!
saudades!!!