27 dezembro 2008

Relacionamentos são como vinhos...

Relacionamentos são como vinhos. A primeira ocorrência dessa declaração aconteceu quando eu e Claudinho fazíamos nossas degustações e ensaiávamos a filosofia das taças que se esvaziavam. Quem disse que enólogos só sabem falar sobre uvas, barris, terroirs e garrafas? Vez ou outra o vinho também é pretexto para avaliarmos nossa vida, discutir pontos de vista, teologia, convivências... Numa conversa assim que elaboramos a teoria que será exposta neste texto. O leitor pode usar as comparações para entender o vinho ou os relacionamentos, o que lhe for mais familiar, mas é certo que entenderá muita coisa.

Existem aqueles que são como vinhos tintos secos. Sua apreciação completa envolve aprendizado e paciência. A maioria das pessoas está despreparada para avaliar sua complexidade ou acompanhar sua evolução. Os jovens são boas companhias para ocasiões despretenciosas e os maduros podem ter uma exuberância ou elegância capaz de levar os sentidos ao delírio. São os que têm a maior capacidade de nos surpreender e a maioria envelhece muito bem - ganhando com isso, inclusive. Seu corpo adquire presença e nos preenche. A acidez e o amargo dos taninos são domados, tornando-se equilibrados e agradáveis. Um vinho tinto seco inesquecível é o que todo enólogo sonha em encontrar. Há aqueles que desejariam provar um grande vinho desses pelo menos uma vez na vida.

Dentre os vinhos tintos secos (ou melhor, dentre os vinhos em geral) existe uma categoria daqueles que podem ser chamados de "desleais" ou "Não-honestos". Eu explico. Um vinho honesto é aquele cujo preço pago vale cada centavo. Nem mais, nem menos. Não chega a ser um grande vinho, mas é capaz de algumas surpresas, pode revelar um aroma ou bouquet interessante, pode até ser capaz de deixar seu sabor na boca por mais tempo do que se esperava. Os "Não-Honestos" são o contrário disso. São vinhos pelos quais pagamos caro e nos arrependemos depois. São só embalagem e marketing, nada mais que isso. Podem ter aroma e gosto ruins ou que desaparecem rapidamente. Podem ser aguados e sem graça ou muito alcoólicos para compensar a falta de outros atributos. A sensação de quem prova um desses famigerados é que foi enganado ou lesado de alguma forma.

Mas vinhos tintos ainda podem ser doces. Não estou falando de vinhos de sobremesa ou fortificados, mas dos chamados "vinhos finos de mesa", desses que se encontra em qualquer mercearia ou barzinho de esquina. Na porta de grandes shows e eventos há sempre um vendedor com um isopor cheio deles. Há quem goste, mas nem sei se poderiam ser chamados de vinhos. Em sua produção sequer são utilizadas uvas de castas nobres. Faz-se vinho como se fizessem um suco de uva alcoólico, alguns chegam até a receber açucar artificialmente para que se tornem tragáveis. Não espere nenhuma surpresa de um vinho desses e tome os devidos cuidados pois seu consumo tende a ser perigoso. Costumam agradar os paladares sem exigência alguma no início, mas não evoluem em nada com o tempo, sobem rápido - fazendo-se perder a noção das coisas - e acabam nas mais violentas ressacas. É uma boa opção para se fazer misturas duvidosas (boas ou não) e para temperar carnes, para mais nada.

No mundo dos vinhos há também os rosés, que não são tão paparicados quanto os tintos, mas têm seu charme exclusivo. Muitas mulheres os preferem. O vinho rosé é aquele que não teve contato com as cascas da vida o tempo suficiente para adquirir a cor e a amargura dos taninos. Não foram feitos para evoluir, nem para serem complexos. Nem todo paladar ficará satisfeito com ele. Leve e sem pretensão de ser durável, um bom rosé só pede que se aproveite bem a ocasião de desfrutá-lo.

Outra categoria de vinhos que pedem que se aproveite bem a ocasião são os espumantes. A maioria é conhecida pela denominação do mais nobre exemplar: Champagne! Mas não se engane, somente uns poucos podem ostentar este nome... Os espumantes são vinhos leves, com toques de doçura e acidez, com aquelas bolhinhas lindas. Para prová-los, até a taça deve ser especial e diferente. Em fotos aparecem com um brilho singular, como uma poção com poderes de luz. Fazem tudo parecer mágica e sempre são encontrados nas melhores festas. Infelizmente os melhores exemplares desta categoria só podem ser apreciados por quem tem dinheiro e nem sempre a sensibilidade para enxergá-los como a preciosidade que são.

Discretos e longe dos holofotes da fama, existem outros vinhos ainda: os brancos. Há quem pense que uvas brancas dão vinhos brancos e uvas tintas dão vinhos tintos, mas isso é uma meia verdade. Há os chamados "brancos de noir", produzidos a partir de uvas tintas, mas sem contato com as cascas que dão coloração aos vinhos. Os vinhos brancos são aqueles negligenciados e esquecidos, mas quando se encontra um branco grandioso, não há tinto que o desbanque.

Finalmente, há os vinhos de colheita tardia. São vinhos confeccionados a partir de uvas super maduras, que sugaram tudo o que podiam e não podiam da videira e aproveitaram o calor de muitos dias de sol. Têm sabor intenso, uma doçura acentuada e cor viva. Os brancos são dourados vivos. Apresentam textura untuosa e glicerinada. Entretanto, não há quem consiga consumir muito deste vinho por muito tempo. Acabam enjoando...

Os vinhos têm muitos outros mistérios e segredos. Há outras comparações que podem ser feitas. Cada categoria apresentada aqui pode revelar paralelos e coincidências para abrir nossos olhos sobre a que nosso paladar está sujeito...

Escolha com cuidado.

Carpe Noctem!

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Bom, está ai, Claudinho. Não podia ir pra Curitiba sem escrever este texto! Já faz quase um ano que a gente conversa muito sobre ele e nada de produzí-lo. Usei suas anotações como guia. Espero que tenha ficado satisfeito. Ah, termine a nossa adega sem mim e cuide dela... Um dia eu volto!

2 comentários:

Rebeca Campanello disse...

Que texto lindo!
è de arrepiar!

Luciano Maia disse...

E começou com dois amigos e um bom vinho... Que bom que gostou!