É preocupante como esta época de eleições influencia e envenena a mentalidade de muitos cristãos. Nossos lugares de culto são invadidos por muitos candidatos se ajoelhando para receber a benção, talvez exatamente da forma como fizeram em outros altares estranhos por aí. Quando não é isso, é aquele líder ou membro da comunidade que acha que merece nosso voto por supostamente professar a mesma fé ou a mesma inclinação religiosa. São muitos os argumentos, muitas promessas. Muita coisa ruim e profana disseminada sob verniz de espiritualidade e vontade divina. O nome de Deus já foi usado diversas vezes indevidamente para mascarar e justificar as ambições dos homens, o que resultou em terríveis acontecimentos. Vamos esclarecer alguns pontos para que ninguém se iluda.
Nunca vote num candidato só porque ele é crente! Ser crente, infelizmente, não é garantia de ter caráter, competência ou de simplesmente estar apto ao cargo público. Pessoas ruins não têm estrela na testa! Separar o trigo do joio é uma tarefa que somente Cristo pode executar (Mt 13:24-29). O próprio Jesus nos preveniu que apareceriam muitos falsos profetas no meio de nós, como lobos em pele de cordeiro, usando o nome Dele, sem nunca O terem conhecido (Mt 7:15-23). Certamente os ouvintes de Cristo sabiam bem o que aquilo significava. No Antigo Testamento, o sacerdote apresentava as demandas do povo a Deus, enquanto o profeta era o portador da palavra de Deus ao povo. O profetismo estava intimamente ligado a sonhos e visões que vinham do próprio Deus, eram como uma marca que legitimava o ministério do profeta. Não demorou para que, ao serem vistos como conhecedores da mente e vontade da divindade, alguns profetas ficassem investidos de poder civil também e, desde que profetizassem a favor, caíssem nas graças de governantes e poderosos. O termo “falso profeta” foi cunhado desta situação de usar a prerrogativa divina para obter vantagem própria. A Torah já precavia a respeito destes (Dt 13:1-3 e 34:15-33) e já haviam sido citados em Jeremias (14:13-16) e Ezequiel (capítulo 13) recebendo juízo de Deus. Falsos profetas são aqueles que agem por uma motivação que supostamente é dada por Deus quando ela não é. Perseguem sonhos e ambições de seus próprios corações dizendo que estão agindo por determinação divina. Pense um pouco: nas eleições passadas, quantos crentes conhecemos que sentiram o chamado de Deus para “trabalhar” e “servir” através da política, mas foram derrotados nas urnas? Será que Deus os chamou apenas para amargar não serem eleitos? Existe mais de uma possibilidade: Ou Deus realmente os chamou e honrou Sua palavra, ou esses políticos frustrados estavam ouvindo outras vozes. Alguns foram oportunistas e agiram deliberadamente para enganar em benefício próprio. Outros foram enganados pelo próprio coração e confundiram a voz de suas ambições com a voz de Deus. Muito bem intencionados. Acreditaram-se usados divinamente. Na época de Jeremias e Ezequiel havia também falsos profetas assim. Diziam ao povo de Israel prestes a cair sob o domínio assírio e babilônico o que todo mundo queria ouvir, que haveria paz e tudo terminaria bem. No nosso tempo vemos levantar aqueles que se vêem também como o instrumento perfeito de Deus para dar paz ao Seu povo. Não podemos ser enganados, se foi mesmo Deus quem os chamou, é Ele quem vai garantir a vitória! Alguém que sabe realmente que foi escolhido por Deus para uma missão específica não precisa de campanhas sujas, de torcer verdades ou divulgar mentiras, de promessas mirabolantes e apelos para o emocional e religioso dos eleitores. Não precisa prometer a paz e o pão que não pode oferecer ou desmerecer as competências dos opositores. Os planos de Deus não se frustram. Quem reconhece essa verdade só precisa de dependência total e submissão Àquele que o chamou.
Por falar em chamado, parece óbvio, mas é importante ressaltar que um pastor não é o melhor candidato à Câmara, ou ao Senado, ou a qualquer cargo público. Não é por falta de carisma ou capacidade. É democracia básica! Ocupar um cargo público implica em se comprometer em buscar os interesses do povo. Seu líder espiritual, como o homem de Deus que é, já tem uma vocação: dar conta da sua alma para Deus. Cuidar de almas é coisa séria! Um rebanho precisa ser apascentado com zelo. Requer tempo e dedicação. Pastor de verdade tem de ter sempre o olho atento para que as ovelhas não sejam arrebatadas por predadores ou enveredem por trilhas perigosas, tem de preocupar-se em buscar a ovelha que se afastar, tem de saber arrancar carrapicho e parasitas, saber afagar cabeças cansadas e cuidar de feridas. Sem contar que o pastor deve buscar de Deus diariamente o alimento fresco e saudável para si e para o rebanho. Com as preocupações da vida pública, as pregações correm sério risco de passarem a ser encaradas como discursos. Projeto social parece ser uma resposta para tudo. Atendimento pastoral passa a ser um compromisso com hora marcada para começar e terminar e até o amor e comunhão passam a ser um jogo a mais de tapinhas nas costas e sorrisos de campanha. Antigamente tínhamos notícias de homens santos que abandonavam suas atividades seculares para se dedicar mais arduamente à obra de Deus. Hoje vemos pastores desistindo ou realizando seu ministério de forma displicente para poderem seguir os caminhos da política. É triste quando se envolvem em escândalos, ou se frustram e perdem a confiança e o respeito do rebanho que deveriam ter zelado. Mais triste ainda é pensar que certas ovelhas nunca se recuperam de decepções assim...
Tome cuidado com os contadores de histórias, principalmente se forem especialistas em histórias bíblicas. É engraçado como muitos que procuram votos dentro de igrejas gostam de citar Daniel e José como exemplos de homens de Deus levantados para trabalhar em prol de uma nação, mas se esquecem que nenhum dos dois passou por processos eleitorais. José experimentou longo período de dissabores antes de assumir o poder: foi desprezado pelos irmãos, jogado dentro de uma cisterna seca, vendido como escravo, dado por morto, acusado de imoralidade fazendo o que era certo e amargou muito tempo na prisão até que se lembrassem dele. Virar governador do Egito ocorreu por uma intervenção direta de Deus em sua vida. Foi o Senhor quem guiou todos os passos de José, mesmo os mais doloridos, para o momento em que ele estivesse pronto para governar. Daniel não foi diferente: arrancado do seio da família e lançado numa terra hostil, de costumes e hábitos alimentares que lhe eram estranhos, nem o nome dado por seus pais pôde conservar, mas manteve a fé e a determinação de seu coração de servir a Deus. Daniel não fez planos de ter uma carreira política bem sucedida, Deus planejou tudo e o favoreceu.
Candidatos que citam estes dois homens deviam se inspirar não em ONDE estes homens chegaram, mas COMO eles chegaram lá. Através da vida de José e Daniel podemos tirar exemplos fortes de fé inabalável, de providência e soberania divina, de que devemos ser verdadeiramente dependentes de Deus, pois nada pode resistir Sua Vontade. Mas estas são verdades que não interessam aos nossos políticos “vocacionados” por Deus. Seu interesse é legitimar biblicamente sua ambição pelo poder e luxo que sonham ter acesso (ou manter). Há outro personagem bíblico que também teve boas relações com os políticos e religiosos de sua época e todos conhecem bem sua história, mas que nunca o vemos citado nas campanhas: Judas Iscariotes. Devemos nos acautelar com os que nos são apresentados como “Josés” e “Daniéis” e que na verdade são “Judas”. Na hora da provação, os Josés vencem deixando até a roupa do corpo para trás se preciso for, os Daniéis não comem os manjares do rei nem se prostram, mas os Judas enchem os bolsos e vendem a Cristo!
Não podemos deixar de falar do terrorismo espiritual a que certas denominações submetem seus membros distorcendo sua percepção de mundo. Não crentes não são o diabo! São seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus exatamente como os crentes. Há na teologia o conceito da “Graça Comum” que é pouco difundido dentro de alguns círculos extremistas. O que este conceito diz? Diz que um juiz não precisa ser crente para praticar justiça. Médicos não precisam ser cristãos para terem o impulso de querer curar o próximo e fazer isso bem feito. Seres humanos podem produzir excelência e beleza mesmo que não conheçam a Deus. O próprio Deus dá essa Graça Comum ao mandar o sol e a chuva sobre justos e injustos. Seguindo esse raciocínio, um político não precisa obrigatoriamente ser cristão ou crente para fazer boas leis ou exercer suas funções de forma honesta. Da mesma forma como encontramos grandes patifes dentro da igreja, há muitas pessoas de boa índole e caráter fora dela. Temos de lembrar que TODA autoridade é instituída por Deus (Rm13). Nosso Deus é quem coloca no poder tanto crentes quanto não crentes. Mesmo o rei estrangeiro Ciro, fundador do Império Persa, que chegou a dominar sobre o povo de Israel, é chamado pelo próprio Deus de Seu pastor e ungido (cf Is 44:18, 45:1). Nada foge do Seu controle. Deus usa quem Ele quiser para abençoar aqueles que O temem. A história bíblica tem relatos de muitos estrangeiros, não pertencentes à Casa de Israel que desempenharam papéis importantes para o povo de Deus: por exemplo, as duas únicas mulheres citadas na genealogia de Cristo eram estrangeiras. A prostituta Raabe que acolheu os espias em Jericó e a moabita Rute. É ridículo preferir um candidato a outro simplesmente porque ele se apresenta como parte do mesmo corpo religioso ou étnico que pertencemos. O importante é procurar conhecer as propostas de cada candidato e avaliar a viabilidade de aplicação destas propostas. Nada de levar a sério aquele doido que quer escrever leis para trazer o mar para Minas Gerais ou o outro que sonha em criar um bairro exclusivo de crentes só porque ele sabe usar as mesmas palavras que usamos em nossos círculos mais íntimos. E se não há propostas, se as promessas são vagas e generalizadas, sem planejamento algum... Já é um mau sinal! É válido atentar-se também para o oferecimento de barganhas e favores. Demonstram falhas de caráter. É tentar comprar o que não tem preço. Trocar votos por sacos de cimento para reformar templos é desprezível. Se Deus é mesmo soberano, Ele cuidará de Sua obra sem precisar se vender.
Finalmente, não nos pode escapar um detalhe importante: é crucial conhecer o passado e a história de vida do candidato, envolvimento em esquemas de corrupção e participação de grupos extremistas e legalistas em qualquer área costumam ser indícios de perigo. Onde há fumaça, há fogo. Além do mais, não podemos esquecer que o casamento entre Religião e Estado gerou muitos frutos indesejados ao longo da história. Constantino e Teodásio concederam poder temporal aos líderes da igreja cristã de sua época, mas o preço pago foi a decadência espiritual e moral da instituição que deveria ser santa. Muitos anos mais tarde, a luxúria resultante em que o clero vivia foi apontada como uma das causas da Revolução Francesa. Revoluções na China e Rússia também tiveram como atenuante a insatisfação do povo com a postura de religiosos no poder. Na Alemanha Nazista, muitos líderes cristãos respeitados e de renome (pastores, reitores e professores de seminários protestantes) apoiaram Hitler abertamente e até se empenharam em escrever artigos, livros e anunciar dos púlpitos e cadeiras universitárias palavras que tornassem o extermínio de judeus teologicamente respeitável e correto. Será que nunca aprenderemos a lição?
Um versículo costuma aparecer bastante nos slogans dos candidatos: “Quando os justos triunfam, há prosperidade geral, mas quando os ímpios sobem ao poder, os homens tratam de esconder-se.” (Pv 28:12). Mas o nosso grande problema é que “Não há nenhum justo, nenhum sequer. Não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis. Não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer.” (Rm 3:10-12).
Que Deus Se compadeça de nós e nos dê discernimento!
23 outubro 2008
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