02 outubro 2010

Falando no Diabo...


Ouvi certa vez uma história de que num culto pentecostal sucederam mais de uma dúzia de testemunhos: Deus deu vitória contra o diabo porque o marido havia parado de beber; o filho largou as drogas porque pastor fulano orou e expulsou o espírito tal; o inimigo havia tirado o emprego de alguém, mas Deus o restituíra; tal doença era trabalho de não sei quem que havia sido desfeito... No fim do culto, o pastor viu um homem sentado no fundo do templo chorando compulsivamente e se aproximou para verificar o que acontecia. “O que houve, meu filho?” – perguntou. E o homem respondeu indignado: “- Igreja de mentirosos e difamadores esta! Nem tudo o que falaram lá na frente foi obra minha... Muita coisa é deles mesmos!” O homem, na verdade, era o diabo. Claro que a história não é verídica, mas a anedota não seria possível não fosse uma terrível verdade: A igreja evangélica tem entendido erroneamente a atuação de Satanás. Pior ainda: algumas desenvolveram até uma dependência da atuação demoníaca muito maior do que de Deus. Até mesmo no relacionamento e reflexão sobre Deus, parecem mais conduzidos por uma “demonologia” do que uma Teologia. O culto é mais centrado em “desfazer as obras das trevas e combater o inimigo” do que em cultuar de verdade o Deus Altíssimo. Antropologicamente falando, isso é assustador. Em algumas culturas, certas entidades são cultuadas não por sua bondade e disposição em abençoar os mortais, mas por causa do temor de que se irritem e se ponham como adversários em alguma área da vida. A maior parte dos cultos que superestima a “Batalha Espiritual” não difere muito dos rituais feitos nestas culturas para apaziguar os deuses inconstantes. O diabo, quando recebe atenção além do que lhe é devida, acaba se tornando uma espécie de entidade soberana do mal, uma antítese de Deus, mesmo que isso aconteça de forma inconsciente. Quer combatendo-o, ou apaziguando-o, algumas vertentes evangélicas acabaram sofrendo sincretismo e dando ao diabo mais poder do que biblicamente diz, transformando-o num deus do mal. A melhor citação é a Igreja Universal do Reino de Deus, talvez o maior referencial de hoje do neopentecostalismo brasileiro, que apresenta em seus cultos um sincretismo da religião evangélica com as religiões africanas, isso pode ser verificado não só no nome dos rituais e práticas (por exemplo, “culto do descarrego” ou oração para expulsar um “encosto”), mas também na associação dos espíritos demoníacos com os nomes das entidades de religiões afro (exemplo: Pomba-gira, Exús, etc...). A Igreja Universal também lida com o problema do Mal o atribuindo ao diabo. Coisas ruins acontecem porque o diabo está atuante e sempre responsável pelas desgraças e mazelas deste mundo. Isso é algo extremamente discutível. Sem querer ser um “advogado do diabo”, mas nem tudo é “culpa dele”, como sugere a anedota inicial do texto. Muitas vezes o mal nasce decorrente das próprias escolhas humanas e não pela influência ou possessão de algum espírito imundo. Da mesma forma, a vida com Deus, não é tão povoada por demônios como insistem em dizer alguns. Uma vida espiritual sadia e frutífera é a busca constante e devocional de encontro e comunhão genuína com Deus diariamente, não a luta incansável contra o “inimigo”. Talvez seja até mais uma luta contra o “velho homem”, ou “velha mentalidade”, ou “velha natureza” – termos que o apóstolo Paulo com certeza preferiria designando nossa inclinação natural pecaminosa no lugar onde tantos colocam insistentemente “Satanás”, “diabo”, “Lúcifer” e algumas outras alcunhas sobrenaturais da moda... É mais a luta incessante entre nossa natureza caída e a conversão operada pelo Espírito de Deus em nós. É trágico que através dos séculos o foco em tornar se dependente de Deus e deixar que Ele nos proteja de todo o mal tenha ficado para trás para ser substituído por uma visão que tenta apropriar-se do poder de Deus para tornar-se cada vez mais independente. Seminários, congressos, encontros, livros e uma infinidade de recursos e esforços são empregados para convencer crentes a se “alistarem” para uma guerra de proporções cósmicas onde devem agir ativamente. Como se o Reino de Deus pudesse ser derrotado pelas trevas se não houver um empenho humano significativo. Será que é assim mesmo? O texto áureo de Efésios 6:10-18, usado em tantos sermões sobre Batalha Espiritual repete enfaticamente as expressões chave “ficar firmes”, “resistir”, “permanecer inabaláveis” apesar das astutas ciladas do diabo, dos dardos inflamados e do dia mau. Analisado sobriamente pode-se concluir que a passagem não serve para sair por aí tentando alistar militantes para engrossar as fileiras do exército do Senhor, como alguns insistem, mas é uma exortação de que a vida com Deus implica em persistência frente às adversidades cotidianas e sobrenaturais. É interessante dizer que a proteção na jornada é providenciada também por Deus. Antes de seguir enumerando os itens da armadura, o apóstolo Paulo é claro: “Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder.” (Efésios 6:10 – ARA). Tiago parece partilhar desta perspectiva também ou não teria escrito em sua epístola: “Portanto, submetam-se a Deus. Resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês” (Tiago 4:7 - NVI). O episódio de Jesus contando a Pedro que o diabo o havia pedido para peneirar como trigo, mas Ele havia rogado por Pedro (Lucas 22:31-32) segue a mesma linha. É importante lembrar que mesmo que argumentem que ainda não havia chegado o Pentecostes, os discípulos já haviam recebido poder e autoridade de Cristo para expulsar demônios (Lucas 9:1-6). Se Jesus tivesse o mesmo discurso que os gurus de batalha espiritual de hoje, teria dito: “- Olha, Pedro, estou te revelando que Satanás quer acabar com você, mas você vai se dar bem: só tem de amarrá-lo com cordas de fogo, chamar o anjo fulano para torturá-lo um pouquinho e depois pode mandá-lo para o inferno usando o Meu nome.” Mas não foi assim. Foi uma intervenção direta de Cristo que deixou Satanás inapto para tocar em Pedro. Da mesma forma, no Antigo Testamento, há um personagem que viveu a guerra espiritual até suas últimas conseqüências: Jó. Mas se uma leitura acurada do livro for feita, pode-se notar alguns fatos que são diretamente opostos ao que se ensina hoje pelos freaks por batalha espiritual: Primeiro, o próprio Deus assume responsabilidade por todo o mal que havia sido imposto a Jó ( Jó 2:3b “foi por nada que ME {Deus falando} instigaste contra ele para aniquilá-lo.” – BJ, grifo e parênteses meus). Segundo, Satanás não pede a Deus para tocar em Jó, mas sugere que o próprio Deus o faça (Jó 2:5 “Mas estende a mão sobre ele, fere-o na carne e nos ossos; eu te garanto que ele te lançará maldições em rosto.”- BJ). Terceiro, e mais importante, a dúvida de Satanás não era se Jó era ungido de Deus, ou se Jó suportaria as provas por ser santo ou poderoso demais, mas de motivação. O que Satanás na verdade estava colocando em cheque era: Ninguém serve a Deus sem um motivo. É impossível amar o Criador de maneira fortuita, como uma simples resposta ao Seu amor. A criatura só se aproxima de Deus para obter alguma vantagem. É engraçado como o discurso de Satanás se parece tanto com o de alguns da maldita teologia da prosperidade e da confissão positiva, os que falam que Deus tem obrigação de nos fazer ricos e outras coisas e não vêem que estão buscando a Deus pelo que poderão lucrar (literalmente), e não pelo que Ele é. No drama de Jó, ele não viu o mundo de maneira dualista como os adeptos da batalha espiritual costumam ver. Jó não se rendeu à tentação de culpar o diabo, ou culpar a Deus, mas decidiu aceitar qualquer que fosse a vontade do Altíssimo: “Se recebemos de Deus os bens, não devíamos receber também os males?” (Jó 2:10 – BJ)... Mas isso é material para um estudo muito mais longo. Por ora, vamos ser específicos e comentar alguns pontos populares sobre o diabo e suas atuações...

1 – É perigoso falar o nome do diabo.
Enquanto muitos cristãos desenvolveram um verdadeiro fascínio pelo diabo e as obras das trevas, ainda persistem muitos outros que guardam receio até de falar a respeito. O temor em se pronunciar o nome do diabo se popularizou durante a Idade Média, quando havia a crença comum de que com o conhecimento e os instrumentos adequados podia-se invocá-lo (do latim “invocare” = chamar). É do período medieval também a maior parte das listas de epítetos e títulos do “príncipe das trevas”. Geralmente estas listas aparecem associadas à caça às bruxas promovida pela Santa Inquisição, como manuais para reconhecimento e combate de hereges ou em fórmulas de ocultismo popular. Vários deuses pagãos foram demonizados pela igreja católica, principalmente antigas divindades pastoris e agrícolas e seus nomes foram aos poucos aumentando a lista dos títulos dados a satanás. A própria imagem do diabo que o imaginativo comum conserva até hoje, com pés de bode, chifres, barba e tridente, remonta esta época e foi forjada a partir de elementos de deuses e entidades mitológicas. A Bíblia utiliza preferencialmente os termos “satanás” (grego: “adversário”, talvez por influência do hebraico “satan” = “adversário”) e diabo (grego: “acusador”). Diabo e Satanás sugerem mais uma função ou ocupação do que um nome. Os fariseus acusaram a Cristo de expulsar demônios por Belzebu (Mateus 12:24 e passagens paralelas), o nome vem de Baal Zebube (literalmente, “O Senhor das Moscas”) uma divindade cultuada em Ecrom ligada à morte (2 Reis 1:2,3). O nome Lúcifer, “Portador de Luz”, só foi atribuído a satanás posteriormente. “Lúcifer” foi um título dado na antiguidade ao planeta Vênus pela fama astronômica de ser a primeira estrela a aparecer no horizonte, a mais brilhante durante a noite e a última a desaparecer pela manhã. Sua atribuição ao diabo deu-se por influência do latim e começou à mesma época em que apareceram as primeiras interpretações de Ezequiel 28 e Isaías 14 como textos paralelos referindo-se à sua Queda (para os mais curiosos há um estudo aprofundado sobre o tema disponível neste blog). A Vulgata (versão da Bíblia em latim) traz a tradução de “estrela da manhã” como “lúcifer”. No original hebraico, a palavra é lleäyhe, (transliteração: /helel/ ou /heylel/), “a brilhante”, e pode denotar o planeta Vênus (a “estrela da manhã”) ou até mesmo a lua crescente. Quando alguns teólogos começaram a enxergar base para endereçar os oráculos destes textos a satanás, bastou transformar o título em nome próprio.
A Bíblia não traz nenhuma advertência sobre evitar a pronúncia de títulos ou os nomes do diabo, isso é superstição. Há até a proibição do Decálogo sobre não usar o nome de Deus em vão, e esta não é observada já que nosso vocabulário é cheio de expressões como “Pelo amor de Deus”, “ao Deus dará” e outras que fazemos uso irreverentemente. Penso nos profetas do Antigo Testamento que tremiam ao escrever o nome de Deus e nos judeus que tinham tanta reverência pelo nome do Altíssimo que a pronúncia exata do tetragrama YHVH se perdeu no tempo. Não há sequer uma tradição bíblica que respalde o temor de se falar o nome ou a respeito do diabo.

2 – O diabo atrapalhará minhas finanças se eu não der o dízimo.
Muitas igrejas exploram seus fiéis nos dízimos e ofertas usando a passagem de Malaquias para chamar os não-dizimistas de ladrões e ainda ameaçá-los com o “Devorador”, espírito responsável por ruir a área financeira. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente o momento em que o texto foi escrito. Situar o momento histórico tira a legitimidade que certos pastores alegam ter para ficar pregando Deus como um velho mesquinho chamando pessoas de larápios porque não Lhe devolveram seus 10% devidos. Era o fim do Exílio Babilônico. Os judeus começavam a regressar para a terra de Jerusalém e os sacerdotes tinham inclusive o direito de restaurar o templo. Acontece que muitos judeus haviam prosperado no Exílio e não queriam voltar. Então pagaram aos sacerdotes o imposto atrasado (dízimo) para que voltassem a Jerusalém. Os sacerdotes, entretanto, em vez de utilizarem o dinheiro para o fim que era devido, começaram a construir e reformar suas próprias casas e deixaram o templo negligenciado. O capítulo primeiro do livro de Ageu, profeta contemporâneo de Malaquias, fala exatamente desta apropriação indevida. Quando cito o dízimo como um imposto é porque era isso que ele era nesta época: um imposto pago ao templo pelos serviços de propiciação de pecados feito pela nação de Israel. Literalmente o povo de Israel pagava para que houvesse mantimento na casa de Deus, ou seja, para que os sacerdotes continuassem fortes e dispostos, e tivessem todos os meios exigidos pela Lei Mosaica para oferecer diante de Deus os sacrifícios prescritos pelos pecados individuais e da nação. Não estou defendendo que o dízimo deve parar de ser dado. Até mesmo desconfio da conversão genuína de qualquer que veja o dízimo com desconfiança e exclua Deus de sua vida financeira. Se não entrego a Deus meu dinheiro, será que Ele realmente é dono de meu coração? A fidelidade nos dízimos, como em todas as outras áreas devocionais da vida, traz bênçãos sobre quem pratica. Mas o dízimo deve ser entendido como uma forma de adoração e agradecimento a Deus pelo muito recebido, não como uma barganha para obter alguma vantagem financeira. O “porquê” e o “como” devem ser observados. Que diferença há entre o ato de dar o dízimo para que Deus repreenda o devorador e nos faça prosperar e o sacrifício que tantas culturas oferecem (seja humano ou animal) para apaziguar os espíritos da colheita e atrair fartura? É o velho princípio da serpente de bronze... Até mesmo algo bom, abençoado e vindo de Deus pode tornar-se tropeço e maldição quando não se compreende o sentido espiritual subjacente. Se entregarmos o dízimo com o intuito primeiro de nos tornarmos ricos e para que tudo vá bem em nossa vida financeira, podemos até pensar que estamos prestando culto a Deus, mas na verdade o fazemos a Mamon (as riquezas)... Quando nossa disposição íntima não é a de adorar o Deus verdadeiro, o que sobra é idolatria...


3 – Toda doença é de origem demoníaca.
A crença de que os males físicos são sempre reflexos de influências espirituais não é bíblica, mas aparece em diversas culturas tradicionais*. Como exemplo, nem precisamos ir ao Oriente Médio ou mesmo recuar milhares de anos na linha do tempo, há várias tribos indígenas brasileiras atuais onde ainda hoje o tratamento médico é ministrado por um pajé, pois acreditam que adoecer é estar sob influência ou desagrado de alguma entidade ofendida. Cabe ao pajé, na qualidade de conhecedor do mundo espiritual, providenciar os meios necessários para cessar a ofensa ao espírito e assim obter a cura física. Atribuir a demônios todas as enfermidades é praticar pajelança com verniz de cristianismo. No Ministério de Cristo, os evangelistas citam várias vezes que Jesus ia pregando nas cidades, curando os enfermos e expelindo os demônios. Os relatos enumeram os atos separadamente, como coisas distintas. A cura não era equivalente a uma expulsão ou exorcismo e vice versa. Quando a doença era causada por um espírito demoníaco, o texto cita esta conexão nominalmente, como uma exceção. Não há base bíblica para generalizar e criar uma doutrina de que o estado de saúde do corpo está relacionado à possessão ou ação de algum espírito demoníaco, mas há somente um indício de que pode acontecer eventualmente. Basta analisar as evidências: Paulo teve de deixar Trófimo em Mileto porque estava doente (2 Timóteo 4:20) e recomendou a Timóteo que tomasse um pouco de vinho por causa de FREQUENTES enfermidades no estômago (1 Timóteo 5:23) em vez de orar exigindo cura ou expulsar qualquer espírito relacionado. As doenças são podem ser todas tomadas por maldições ou vontade de espíritos maus, mas como contingências da vida, algumas inclusive fazendo parte do plano de Deus. Vale pensar: será que a poetisa cega Fanny Crosby, que escreveu hinos que tão bem fizeram à igreja e que tanto abençoaram o povo de Deus como “Que segurança, sou de Jesus!” teria sido a mesma sem sua cegueira? O texto de Isaías 53, tão usado para invocar curas milagrosas, revela-se frágil para assegurar a crença que muitas vertentes evangélicas pregam da obrigação de Deus de cumprir Sua palavra e manter os cristãos sãos. Deve-se levar em consideração que a Bíblia fala que a condição final do cristão não é a de uma alma, mas de um corpo glorificado. Recebendo o corpo glorificado estaremos recebendo o cumprimento pleno de Isaías 53. Sem doenças e sem morte, mas até que isso ocorra, crentes continuarão adoecendo e morrendo... Deus cura ainda hoje, mas de acordo com Sua Soberana Vontade, Sabedoria e Planos, e não pode ser manipulado como um talismã místico para obedecer às nossas ordens apenas porque usamos a fórmula mágica “Em nome de Jesus”. Demônios se sujeitam ao nome de Jesus, mas vírus, bactérias e genes descontrolados desta existência marcada pelo pecado e pela morte só se sujeitarão se Deus o quiser, não porque estamos ordenando...

4 – A maldade nas pessoas é trabalho do diabo.
O problema do mal é algo muito mais complexo e vasto, exige mais tempo e argumentos do que é a proposta deste texto. Basta aqui, levantar alguns pontos para reflexão. Os que culpam Satanás e seus asseclas por todas as coisas ruins do mundo cometem pelo menos dois erros básicos: primeiro, negam a Soberania de Deus, apresentando-O quase como um ser impotente que observa as travessuras e maldades demoníacas incapaz de controlá-las. Segundo, desconsideram que o pecado no coração do homem tornou sua natureza degenerada e sombria. Um bom exemplo bíblico está ainda às portas do Éden, quando Caim matou Abel. A pergunta que Deus fez a Caim foi “O que fizeste?” (Gênesis 4:19). O ato de maldade foi inteira responsabilidade de Caim, sem qualquer influência do diabo sob qualquer forma. Deus havia avisado Caim que, se procedesse com maldade, o pecado estaria à porta com seu desejo contra ele, mas mesmo assim as coisas não estariam perdidas, cabia ainda a Caim a tarefa de dominar o pecado (Gênesis 4: 7). Todos nós somos capazes do mal por causa de nossa natureza decaída. Todo homem é um estuprador, um ladrão, um assassino e qualquer outro título terrível em potencial. É por isso que precisamos de Cristo tão desesperadamente. Não podemos nos salvar por nós mesmos. O mal no mundo é decorrente do nosso afastamento de Deus e não pode ser atribuído a espíritos demoníacos somente. O homem perseguindo os caminhos de seu próprio coração e os desejos descontrolados do pecado é o responsável pelas coisas ruins. É necessário parar de demonizar as pessoas e olhar para elas com compaixão. Sem a graça de Cristo, somos todos sem exceção um só rebanho de condenados e pecadores capazes das maiores atrocidades. Enquanto usarmos o diabo como bode expiatório para nossas falhas morais estamos postergando nossa restauração, pois para haver conversão e regeneração é imprescindível que haja arrependimento e ninguém se arrepende de algo que não tem culpa.

5 – A Homossexualidade é possessão demoníaca.
Dizer que os homossexuais são todos endemoninhados é um erro. Defender que espíritos demoníacos possuíram o corpo de pessoas que se sentem sexualmente atraídas por outras do mesmo sexo e os forçaram a isso, é o mesmo que dizer que Deus é injusto. Que justiça existe em condenar alguém que não é responsável pelos próprios atos? (Apocalipse 22:15). Até mesmo em nossas cortes terrenas, quantos foram inocentados por não serem responsáveis por seus atos, seja psicológica ou intencionalmente falando? O que dizer do julgamento de Deus, que conhece todos os pensamentos dos homens até o mais íntimo da alma? Se for tudo culpa de um demônio que se aloja no corpo, basta expulsar o espírito para que as tendências voltem ao natural... Mas sabemos que não é assim. A maior parte dos homossexuais luta ainda hoje para que sua opção sexual seja respeitada. Uma opção é uma escolha, é algo em que exerço minha vontade, meu desejo e meus sentimentos. Escolhas viram hábitos. Hábitos moldam o caráter. O caráter define uma pessoa. Deus julga a cada um pelas escolhas que faz. Se homossexualismo é obra do diabo, a culpa não pode ser imputada à pessoa. Se não há culpa ou transgressão, não há pecado. O Deus que condena o homossexualismo sabendo que é algo em que a pessoa não exerceu seu livre arbítrio é um deus injusto. É algo que deve ser considerado. Gostei da sinceridade de um pastor amigo meu, ex-homossexual, ao ser indagado uma vez como Deus o havia liberto e lhe dado uma família. Ele não fez nenhum discurso legalista ou de falsa espiritualidade, simplesmente disse que era “duplamente tentado” e explicou: “Um homem casado é tentado quando está diante de uma mulher bonita, eu sou tentado na frente da beleza de homens e mulheres.” Aquela era a luta dele, contra seu “velho homem”, sua velha mentalidade e estilo de vida forjada pelas escolhas que havia feito. É preciso lembrar também que pecado é sempre pecado, seja homossexualismo, lascívia, impureza sexual, roubo, assassinato ou mentira, orgulho, prepotência, hipocrisia e qualquer omissão em fazer o bem. Nós, os homens, que criamos a ilusão de que uns pecados são piores do que os outros. A Bíblia não ensina assim. O Pecado, como um estado mal da alma, é algo terrível e punido com o afastamento eterno de Deus... Não o vencemos sozinhos, para isso foi que Cristo veio e morreu por nós.



ABREVIATURAS:

Versões da Bíblia:
ARA – Almeida Revista e Atualizada
BJ – Bíblia de Jerusalém
NVI – Nova Versão Internacional

NOTAS:

* Culturas tradicionais: Prefiro dizer culturas tradicionais ou baseadas em tradição oral, do que dizer culturas primitivas. As culturas tradicionais podem não possuir um código lingüístico bem definido (por isso são ágrafas, em sua maioria), mas denominar-lhes de primitivas remonta a um preconceito de julgamento, como se as culturas que já possuíssem material escrito fossem de alguma forma superior e mais “avançadas”, um erro positivista comum. Além do mais, o termo primitivo costuma dar a impressão de uma simplicidade e pobreza que não existem. Culturas tradicionais, nos aspectos estruturais e intrínsecos, podem até ser mais complexas do que as ditas “culturas modernas”.

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