01 fevereiro 2010

Uma Religião de Aparências...


Quando o "parecer" se tornou mais importante do que o "ser" dentro dos templos cristãos...

Por muito tempo lutei para me manter o mais puro possível e fracassei. Eu vivia de recordes, como os Alcoólatras Anônimos ou outros grupos que ajudam pessoas dependentes de tantas coisas. Eternamente contando: “Estou há Três dias sem pecar”. Como se eu fosse perfeitamente capaz de contabilizar todos os meus pecados. Ignorando que não consigo distinguir todos os meus erros. Às vezes esse aparente estado de beatitude durava um bom tempo, semanas, meses... Até um deslize acontecer e a casa cair. Aí eu me sentia o pior dentre todos os homens! Havia aprendido que Deus não envia tentação que a gente não pode suportar. Lembro-me da minissérie “Hilda Furacão”, inspirada na obra de Roberto Drummond, havia um frade que vivia às voltas com a tentação, encantado pela bela Hilda interpretada por Ana Paula Arózio. Não era para menos, com aqueles olhinhos azuis e rostinho de criança, ela era mesmo uma tentação com “T” maiúsculo. O Frade não podia avistar a garota que, algumas cenas adiante, lá estava ele em sua cela chicoteando as próprias costas para conter a carne de seus desejos pecaminosos. Na época eu achava aquilo uma ignorância. “Quanta cegueira!” – eu pensava “Não conseguem entender que Cristo já morreu pelos nossos pecados?”. Agora fico pensando: Eu e aquele frade temos muito em comum. Nunca me auto-flagelei, ao menos não abertamente, mas meu princípio de compensação era o mesmo do frade. A compensação é uma negação da graça. Se devo me tornar penitente por um pecado, estou compensando o mal cometido. Eu pago por algo que fiz. Graça é quando se é obrigado a pagar por algo, mas misericordiosamente o pagamento é perdoado ou pago por outro. Se eu caía em tentação, fazendo algo que eu tinha convicção de estar errado, tinha um sistema pronto para fazer as pazes com Deus: fazia um jejum. Ora jejuar é uma forma de auto-flagelação também, dependendo do que nos leva a jejuar. Se for uma forma de se mostrar dependente, reconhecer a pequenez ou louvar a Deus, tudo bem, mas se eu faço isso para mostrar ao meu corpo que ele deve sofrer para “ver quem que manda nessa joça aqui...” e não repetir o mal feito, então o frade e eu estamos no mesmo caminho... A verdade é que a lógica da compensação é comum dentro da igreja e motiva as atitudes de muitos crentes sinceros que sequer desconfiam que estão barateando a Graça de Deus.

É preciso entender que nossa fraqueza é o melhor território para a ação do Espírito Santo. Quer dizer que temos de ficar sempre debilitados espiritualmente? Não, de forma alguma! Isso significa que devemos suportar e entregar nas mãos de Deus... Aonde as nossas forças chegam ao fim, começa o poder Dele. Paulo recebeu esse princípio do Senhor e deixou registrado em sua segunda epístola aos Coríntios (12:9) “mas Ele (o Senhor) me disse: ‘Minha Graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza’”. É como Pedro andando sobre as águas (cf Mt 14:22-33, Mc 6:45-56, Jo 6:16-24): Devemos fixar os olhos em Jesus e prosseguir firmes. Se pararmos para olhar onde pisamos iremos afundar e até nos afogarmos. Nossa caminhada sobre as ondas deve ser focada em ir de encontro a Cristo atendendo ao Seu chamado. Se nos atrevermos a arriscar passos por nós mesmos, fatalmente seremos engolidos pelas ondas. Jesus sabe que, muitas vezes, ficaremos tão maravilhados com milagre a ponto de tirarmos o olhar Dele. É nessas horas, em que fraquejamos e o mar ameaça nos tragar, que Ele nos estende a mão para nos colocar novamente de pé acima das ondas. O próprio Jesus advertiu que seguí-lo era algo que exigia ter os olhos Nele continuamente ao dizer “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus”.(Lc 9:62, mas leia dos versos 57-62 para melhor compreensão do texto).

Talvez a maior dificuldade da igreja de hoje seja sofrer de “olhos inquietos”. Há muita coisa para distrair nosso olhar! Reparamos em tudo: o modo como as outras pessoas se vestem, falam e comportam. Admiramos extasiados a cada movimentação diferente à nossa volta, atraídos por modismos e novidades como mariposas em direção às chamas. Nosso olhar tudo julga, tudo observa e está em todos os lugares, exceto onde deveria estar: fixo no Senhor. É interessante notar que “olhos inquietos” é uma característica da infância! Um bebê observa todas as coisas à sua volta, sorri para coisas que ninguém mais vê, exceto eles mesmos. Diverte-se com objetos coloridos. Isso ocorre porque o mundo deles ainda está sendo descoberto. O adulto escolhe a direção de seu olhar. Maturidade envolve saber em quê focar em detrimento de muitas outras opções. O cristão maduro não se deixa distrair de sua vocação, mas faz uma única coisa: esquecendo-se de tudo que para trás fica e avançando para o que está adiante, prossegue para o alvo, a fim de conquistar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus. (Fp 3:3,14). E nossos olhos inquietos são facilmente enganados pelas aparências. Preferimos os “mais comportados”, mais apresentáveis... Até mesmo o hábito de pastores usarem terno e gravata para subir nos púlpitos mostra essa necessidade de criar uma casca de respeitabilidade. Basta um domingo sem paletó ou gravata em algumas igrejas para que os mais tradicionais torçam os narizes e questionem a autoridade do ministro. Isso mesmo: amamos uma autoridade encenada, carente de símbolos e representações. Confundimos ousadia com gritaria e unção com manipulação de emoções. O que realmente gostamos é de um belo show dominical! Vejam só o que o cristianismo virou! Depois de derramar tanto sangue de mártires nas arenas do mundo, montamos nosso próprio espetáculo dentro dos templos e todos os dias entregamos alguns à morte ao darmos valor a detalhes, ao mover das ondas, e tirarmos os olhos de Cristo... Freqüentei por muito tempo uma igreja na qual ocorreu algo que me fez pensar. Com a aproximação do Natal, os adolescentes montaram um musical, como de praxe. No dia da apresentação, igreja lotada, uma mendiga estava deitada à porta da igreja bem na hora do culto. As roupas sujas, uma meia calça usada como touca na cabeça escondendo os cabelos ensebados, estava deitada ali como se houvesse sido jogada por alguém, como um resto de gente. Eu particularmente achei desagradável e um absurdo que nenhum diácono tenha cuidado de retirá-la dali: a garota poderia ser perigosa, drogada ou, na melhor das hipóteses, atrapalhar o andamento normal do culto. Depois de um tempo, um diácono mais corajoso tentou movê-la de seu lugar. Houve uma breve agitação de braços e pernas e, provavelmente temendo um escândalo, ele se afastou, mas nem participou direito do culto auto-incumbindo-se de “cuidar” da mendiga. No final do culto, à hora do apelo, vi a moça levantar-se e caminhar até a frente chorando... Ela subiu no altar e o diácono quase teve um enfarto ao vê-la remover a touca e passar um pano molhado no rosto. Ela era uma de nossas adolescentes! Fazia parte daquele musical a experiência de disfarçar-se e ficar à porta do templo, para ver e provocar a reação das pessoas. Nem sequer a olhamos com atenção para descobrir-lhe a identidade. Tive vergonha de mim mesmo enquanto ela falava que ninguém a havia amparado, que alguns haviam insinuado que ela estava bêbada ou drogada e que outros apenas falavam “Coitada” e passavam de largo. Jesus resumiu a lei e os profetas em dois mandamentos: “Amarás ao Senhor teu Deus (...) e ao teu próximo como a Ti mesmo”, sendo assim, podemos concluir que o pecado é sempre uma falha de relacionamento ou com Deus ou o próximo. Langston fala em seu "Esboço de Teologia Sistemática" que o "pecado é um estado mal da alma gerado pelo egoísmo".Concordo com ele. O egoísmo nos deixa tão preocupados com nossos próprios desejos e caprichos que o que Deus acha ou o que nosso próximo precisa torna-se supérfluo. Perdemos a chance de desenvolver relacionamentos produtivos para assegurar a soberania de nossa individualidade. É válido pensar que dentro de nossas igrejas hoje temos reduzido o relacionamento com Deus a ritos, celebrações e encenações vazias ao mesmo tempo em que a comunhão entre os membros da igreja se esfria em relações que levam em conta quase sempre a utilidade ou a aparência das pessoas. A igreja primitiva de Atos era bem diferente! Os crentes tinham tudo em comum porque se preocupavam uns com os outros e tinham um relacionamento sadio com Deus. Hoje até mesmo o modo como os crentes se relacionam com Deus está contaminado pelo utilitarismo e interesse pessoal. Pastores não pregam mais buscar ser “amigo de Deus”, como Abraão foi, ou “andar com Deus”, como Enoque andou. Não dá IBOPE! Preferem proclamar um Deus que dará dinheiro, poder, inserção no mercado de trabalho, status social e saúde como se esses fossem seus atributos mais importantes, assim criam um rebanho de seguidores estimulados a amar a Deus pelo que podem obter Dele e não pelo que Ele é! Lendo a história de Jó, penso que o discurso que é ensinado em muitos púlpitos tem mais a ver com a visão do diabo neste livro do que com a de Deus. A provação de Jó foi um teste motivacional, basicamente o diabo insinuou que Jó só servia e amava a Deus porque Deus o abençoava de todas as formas, que se Deus não o abençoasse, ele deixaria de amá-Lo. Em outras palavras, o diabo alegou que a criatura só se aproximaria do Criador movida por interesse e não por amor, a mesma postura que muitos pregadores incentivam ainda hoje.

Outro conceito que tem sido distorcido é o de santidade. A santidade no texto bíblico também é definida por relacionamento. É porque um objeto é usado por Deus que Ele se torna “Santo”. Santidade é a “separação para o uso de Deus”, é estar “preparado para relacionar-se com Ele”, e não significa “alienação”, como muitos sugerem. Vale lembrar que Jesus é Santo e, em seu período na Terra, viveu rodeado por pessoas que muitos crentes de hoje sequer cumprimentariam nas ruas com medo de darem “mal-testemunho”. A santidade que temos em mente e praticamos está sempre vinculada à aparência. Talvez seja uma herança inconsciente das pinturas que mostram homens piedosos e santos com auréolas douradas nas frontes. Entretanto, isso não é santidade de verdade! A Santificação genuína ocorre de dentro pra fora, não o inverso. É fruto de um relacionamento com Deus, de intimidade, sob a ação do Espírito Santo. É essa intimidade que vai produzir a verdadeira Santidade em mim. A santidade que é somente aparente foi condenada por Cristo nos fariseus. Os fariseus foram os que valorizaram os detalhes ritualísticos e se esqueceram do relacionamento íntimo com Deus e com o próximo! Mais do que somente ser santo por fora, um “sepulcro caiado”, Jesus nos chama quando vivermos uma mudança verdadeira, através de relacionamentos genuínos. Quando Cristo fala “Aquele que vem a mim de maneira alguma lançarei fora”, o tempo presente do grego indica uma ação contínua, seria melhor traduzido como “vem vindo a mim, aproximando-se de maneira constante”, indicando um processo. O relacionamento é uma caminhada diária, um passo de cada vez, com olhos fixos em Cristo e um rastro deixado para trás. Por isso Paulo fala aos tessalonicenses para “orar sem cessar”. A oração é um diálogo! É alguém se aproximando de Deus e experimentando um relacionamento com Ele! As cartas às 7 igrejas da Ásia em Apocalipse também mostram essa necessidade de "persistir" no Senhor. As promessas são sempre "ao que vencer", "ao que PERMANECER fiel". É uma jornada de intimidade. Intimidade nasce de relacionamento constante. Quando Cristo fala que no dia do Juízo muitos se aproximarão Dele chamando-O de Senhor e dizendo que haviam profetizado, expulsado demônios e falado em outras línguas e que Ele dirá que nunca os conheceu, a palavra grega é ginosko. A mesma presente em “ginecologia”. O termo Ginosko (“eu conheço”) carrega o sentido de “eu tenho intimidade com”, “eu me relaciono intimamente com”, por influência desse sentido que ter relações sexuais aparece em várias passagens como “conhecer” a esposa ou o marido, Cristo quis dizer que muitos se enredariam apenas na ritualística, na liturgia e conhecimento teórico religioso e que isso não é suficiente. O plano de Deus através de Jesus é de restaurar-nos ao relacionamento com Ele, como filhos. Fomos criados para isso. Os crentes de hoje costumam crer que o inferno será terrível por causa da ilustração das chamas, do ranger de dentes e vermes. O pior no inferno será que Deus não estará lá! O homem foi criado para experimentar um relacionamento íntimo, de Pai e filho, com seu Criador. Altares em todas as culturas humanas servem como prova que o homem sente saudades de seu estado inicial de paz com Deus. A religião foi inventada pela ânsia da alma humana de entrar em contato novamente com Aquele que a criou. O inferno será onde o homem se dará conta que estará eternamente privado de realizar o propósito para o qual foi designado. Será uma frustração eterna e sem volta! Haverá tristeza maior do que essa?


Que este texto sirva para abrir nossos olhos e mentes... Tomara que estes questionamentos nos levem à reflexão e mudança.

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Olhando em meus backups pessoais no HD externo achei este texto que escrevi em 03/10/2006 e resolvi postá-lo aqui. Ainda vou fazer algumas modificações, mas achei por bem publicá-lo antes que o perdesse de novo.

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TAGS: santidade,vida cristã, pecado, religião, aparências

3 comentários:

O alvo disse...

Nossa!!
Quase perdi o fôlego nessa leitura!!

Concordo!!
É preciso rever os conceitos, valores...Deve dar pra começar agora mesmo...

Beijus e boa semana!

Luciano Maia disse...

É.... Reli e repensei muita coisa...

Sérgio Vogt disse...

sing halleluyia!!!

massa mesmo conversar sobre este texto com você ...
mas a conversa não terminou