13 dezembro 2009

Um dia para Repouso

Alguns Elementos Cristãos no "Erev Shabat" Judaico

Sexta feira eu me lembrei do meu professor de hebraico e da Sinagoga Messiânica em BH. Pensei que assim que a primeira estrela aparecesse no céu rabinos no mundo todo já contariam como o início de mais um Shabat. A celebração do Shabat compreende três fases distintas: O "Erev Shabat" (a abertura, na sexta à noite), o "Serviço da Torá" (sábado pela manhã, reunião parecida com a escola dominical protestante) e a "Havdalá" (encerramento, quando o dia santificado termina e os judeus consideram o início de mais uma semana). Minha fase favorita é o "Erev Shabat".A palavra "Erev" significa "Tarde, crepúsculo, início da noite". O dia judaico começa à noite, por isso na narrativa bíblica da criação encontramos a expressão "foi tarde e manhã" tal dia. Esta fase da celebração é doméstica. A família reunida "na viração do dia" para agradecer e celebrar o Criador. Nas casas de judeus espalhadas nos mais diversos lugares, as mulheres acendem as velas do Shabat cantando a bênção: "Baruch Atá Adonai, Elohênu Mélech Haolam, Asher kideshânu bemitsvotáv vetsivânu ner shel Shabat" (aos que não sabem hebraico, a tradução é " Bendito sejas Tu, Eterno D-us, Criador do Universo, que com os teus mandamentos nos santificaste e nos ordenaste a acender as luzes do Shabat".) Em seguida, a família dá graças, todos estão envolvidos na leitura de um dos salmos indicados para a ocasião (talvez o 95 ou o 29), cantam o cântico "Lechá Dodí", relembram algum texto falando sobre a santificação do sábado. No fim da celebração, há a bênção do pão e do vinho, todos comem e depois saúdam uns aos outros desejando "Shabat Shalom" ou "Um sábado de paz". É uma celebração bonita. Gosto dos elementos envolvidos: o fato de ser celebrada nas casas nos lembra que Deus quer participar de nossa vida como um todo. O judeu entende isso muito bem. Há até uma bênção para quando um judeu faz suas necessidades fisiológicas em que ele recita "Bendito sejas Tu, Eterno D-us, Criador do Universo, porque nos deste orifícios." Nós os cristãos, herdeiros da dualidade grega, queremos dividir tudo o que nos chega às mãos em duas partes opostas: desde o Deus Grande e Bondoso rival de um deus pequeno e maligno, chamado demônio; até estas duas esferas de existência, a vida secular e a vida espiritual. Não foi Deus que determinou assim. Se o quisesse, teríamos sido criados diretamente no céu e banidos de lá e recebido corpos corruptíveis somente após o pecado. Fomos criados num paraíso terreno, feitos do pó da terra, habitando este mundo, mas recebendo a Visita e Intimidade Sobrenatural com o Criador "na viração do dia". A dualidade já rendeu outras dificuldades doutrinais, basta lembrar por exemplo, dos gnósticos que Paulo combateu, que pregavam que Cristo não tinha possuído um corpo físico, mas somente de "aparência" material. Tinham tanto pavor que a substância santa espiritual e a substância física (que julgavam profana) habitassem juntas, que criaram um conceito de Cristo que não poderia ter sofrido, nem morrido, nem tão pouco podia redimir homem algum. Não era Deus Encarnado, mas um tipo de fantasma divino disfarçado de humano... Precisamos redescobrir que Deus deseja ardentemente participar de todas as esferas e particularidades de nossa vida. Cristo deseja exercer seu senhorio absoluto sobre nós. A celebração judaica do "Erev Shabat" lembra que Deus se importa suficientemente com o homem a ponto de separar (santificar) um dia da semana para celebração (festa). Não defendo a observância do sábado, nem do domingo. Cristãos primitivos guardavam o sábado. O Domingo só foi sacralizado muito tempo depois, com a paganização do cristianismo, mas isso já é outra história. O importante, para mim, é o princípio por trás da ordenança. "O sábado foi feito por causa do homem, não o homem por causa do sábado"(Marcos 2:27). A guarda do sábado foi estabelecida por Deus em uma época em que literalmente os homens trabalhavam até morrer. Não havia feriados ou fins de semana. Não havia trégua. Uma época sem leis trabalhistas, nem sindicatos, sem direitos humanos. O trabalho era de sol a sol, muitas vezes debaixo de chuva e tempestades. Os mais fortes e ricos oprimindo os mais simples. Ter um dia para largar as ferramentas de labuta, passar um tempo em família e celebrar a Deus, era realmente uma bênção. Assim, o Shabat foi dado ao homem como uma dádiva, não como uma obrigação. A palavra hebraica "Shabat" não quer dizer "sábado", mas significa "repouso, cessação, descanso". Independente se o dia escolhido para isso for o sábado, ou o domingo, ou qualquer outro, é preciso ter um tempo para passar em comunhão com os queridos e para agradecer a Deus. Tomar um sábado ou um domingo e encher de atividades religiosas, mas não levar em conta que este tempo deve ser gasto também com a família, fere o princípio divino de descanso e impede o homem de usufruir desta bênção. Ativismo religioso não é sinal de estar agradando a Deus. É preciso ter cuidado.

Outro elemento interessante no "Erev Shabat" é a valorização da mulher. É ela quem acende as duas velas que abrem a celebração. As velas significam "lembra" e "guarda" e fazem menção a textos do Êxodo e Deuteronômio, uma referência implícita de que a mulher é que lembra sua família a guardar os preceitos divinos. O pai é o sacerdote do lar, mas no dia-a-dia a mulher deve plantar no coração de seus filhos os caminhos do Senhor. É bom de se pensar também que a celebração conta com homem e mulher juntos celebrando a Deus. Para os rabinos isso tem um valor peculiar pois em hebraico as palavras Homem e mulher recebem cada uma letras distintas do nome de Deus em sua formação. Os rabinos entendem isso como um indício de que a imagem e semelhança de Deus só é expressa com plenitude quando homem e mulher estão unidos como um só. O papel da mulher como companheira e auxiliadora deve ser exercido também ensinando adoração em família. É preciso tentar esquecer séculos de acusação sobre a "mulher trazer o pecado", como pregou a igreja católica por tanto tempo e pensar que Cristo via as mulheres como seres tão dignos que achou por bem aparecer primeiramente a elas antes de revelar-se ressurreto a qualquer discípulo (vide Mt 28 e demais textos sobre a ressureiçã).

Finalmente há a saudação "Shabat Shalom", "Um sábado de paz". A saudação cristã "A Paz do Senhor" é um desenvolvimento de "Shabat Shalom", os discípulos entendiam que Cristo era o Senhor do Shabat e o Príncipe da Paz. A paz (shalom) do dia de descanso (shabat) pode também acompanhar aquele que tem a Cristo nos demais dias da semana. "Shalom" em hebraico não quer dizer simplesmente paz, da forma como entendemos. Paz, em geral, é tida pelo mundo moderno como o oposto de guerra, ou como uma trégua entre conflitos. "Shalom" em hebraico tem um sentido muito mais amplo, com uma diversidade de significados envolvidos. Quer dizer "saúde e consciência perfeita". O cristão não precisa entender esta saúde perfeita como uma garantia de que nunca mais mais adoecer ou morrer. Como nascemos marcados pelo pecado, nosso corpo ainda sofrerá suas consequencias... Mas sabemos que ainda receberemos novos corpos, glorificados, livres do aguilhão da morte para sempre. Sabemos também que o sacrifício de Cristo é mais que suficiente para nos justificar diante de Deus de nossas falhas e pecados, por isso a consciência desta Graça tranquiliza nosso espírito. "Shalom" quer dizer também "integridade, sentimento de não faltar nada, de inteireza", o homem que experimenta o Shalom de Deus é aquele que se sente inteiro. Perder a comunhão com o Criador foi um golpe duro para a humanidade. As religiões nasceram da saudade de relacionar-se com Ele novamente. Cristo reconciliou o homem com Deus, providenciou livre acesso de volta a Sua Presença. "Shalom" é não ter aquela sensação de existência vazia ou sem propósito, pois o caminho da vida está livre mais uma vez.

Assim sendo, "Shalom Adonai" a todos os meus leitores... Que vocês possam experimentar jardins de paz, mesmo no meio do caos estranho das cidades em que vivemos...

______________________________________________
O texto é fruto de considerações que estou fazendo enquanto pesquiso para minha monografia de Teologia.

TAGS: Guarda do sábado, dia santificado, sábado, shabat, domingo, dominica dies

Nenhum comentário: